Tudo que houver no céu
Certas coisas na vida não precisam ser avisadas, você simplesmente sabe. E quando naquele último Natal, Valentina me convidou para dormir em sua casa, eu sabia que poderia acontecer. Fazia frio em São Paulo, era nosso último ano da escola e tínhamos medo de como as coisas aconteceriam dali em diante. As noites que exigem um cobertor a mais abriam precedentes para reflexões sérias demais para os dezoito anos: e se ela fosse para faculdade e conhecesse alguém que gostasse mais? E se meu sonho de estudar fora do país afastasse a gente? Não tínhamos certeza, somente tínhamos uma a outra.
— No que você tá pensando? — Ela me indagou. Seus olhos azuis quase transparentes encarando os meus com aquela sua ternura típica que me desmontava inteira. Era melancólico que só pudesse acontecer quando estávamos sozinhas, mas ao mesmo tempo era por isso que aquele olhar era tão especial.
— Na gente. E se… — Comecei a dizer, sendo calada por dois dedos em meus lábios. Em seguida, com um sorriso meigo, ela apertou minhas bochechas com os polegares.
— Se o céu da noite fosse claro seria de dia o tempo inteiro. Não pense sobre o que poderia ter sido ou o que poderá ser, essas são coisas incontroláveis — Falou, daquele seu jeito conclusivo que costumava trazer uma lógica simplista e até boba do mundo. Eu gostava da facilidade de Valentina de resolver os problemas do mundo com duas palavras porque contrastava com minha mania de pensar demais.
— Então, o que você faz quando tem dúvidas ou teme? — Questionei, sentindo seus braços magros no meu entorno. Era quente e protetor. Era como se todas as nuvens me abraçassem ao mesmo tempo.
— Você deixa vir, você confessa. E quando ele sair de você, deixe que ele vá. Se voltar pense no bem, pense no que é certo na vida… — Falou, encostando o nariz no meu pescoço e descendo até o ombro, apoiando sua cabeça sobre o tecido do seu pijama que me emprestou.
— E o que é certo? — Indaguei, virando meu rosto para encontrar o seu. Cabelos negros, óculos redondos e expressão penetrante. Eu era seriamente apaixonada por ela.
— Que eu te amo. Hoje — Declarou e em ato seguido, eu beijei minha namorada. Tomei sua boca com a intensidade que não tinha nunca ocorrido, nem quando aconteceu da primeira vez, escondidas na biblioteca da escola. Recebi sua língua com ímpeto, devolvi a carícia com desespero e no fim, éramos um amontoado de medo e desejo colocados sobre a mesa e completamente expostos. Era um amor tão grande e uma dor que parecia ameaçar romper um pouco a bolha do nosso mundo mágico.
— Tenho medo de não darmos certo. Muita coisa tem mudado e tenho medo que a gente mude também — Falei em alto e bom som para que ela também ouvisse, sentindo o alívio e a realidade daquelas palavras no mesmo golpe.
— Queria te dizer que nada vai mudar… — Começou a dizer, e quase senti o coração pular pela garganta — Mas a gente vai mudar com o tempo. Eu vou ficar ainda mais gostosa e você também vai continuar sendo até atrativa — Falou, e com minha irritação por sua piadinha infame a derrubei na cama — Tudo se transforma e a gente pode também, nesse meio tempo. É como diz aquele poema daquele poeta que você gosta…
— “Eu possa me dizer do amor (que tive)
Que não seja imortal posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure”— Citei Vinicius de Moraes olhando para ela, que por um bom momento não teve uma única resposta. Sem piadinhas, sem frases que mudariam a vida de alguém. Nada. E ainda sim tudo com seus olhos demonstrando que o amor era uma chama que ardia sem se ver.
— Você sabe que é muito linda? — Fiz que sim, e em seguida abaixei meu rosto até perto do seu, quase tocando as nossas bocas.
— Linda e de ótima memória — Eu falei, não cedendo a vontade absurda de beijá-la, tentando e falhando em fugir dela. Nesse caso, terminei eu debaixo daquela mulher perfeita e engraçadinha. Não estava reclamando.
Com o controle em suas mãos, Valentina voltou a me beijar com candura e sua típica calma. Ela sabia que era minha primeira garota e a única pessoa com quem compartilhei aquele nível de intimidade, chegando até perto de consumar minha primeira vez.
Seu toque era cuidadoso, macio e provocava calores inexplicáveis em meu corpo por inteiro. Aliás, até se explicavam, mas então eu teria que definir com todas as letras que era tesão e minha vergonha fazia o meu rosto ficar…
— …Toda vermelhinha, coisa mais linda — Falou, apertando minha bochecha. E para sanar o momento de flagrante, a beijei distraindo nossas peles com aquela confusão deliciosa de hormônios e timidez que fervia em mim e atingia também seu corpo, produzindo aquele calor perigoso.
— Amor… — Falou, quando na empolgação minha mão ameaçou chegar em seus seios. Já havíamos ido até mais longe que isso, mas o medo de sermos pegas fazia com que não passássemos daquela parte. Hoje os meus pais tinham autorizado que eu voltasse no outro dia porque conheciam a Valentina há mais de um ano e a consideravam boa amiga, e os responsáveis dela tinham se recolhido até tinha mais tempo que nós. Ninguém iria nos impedir.
Ignorando sua pergunta explícita, dei uma resposta implícita quando desisti daquele toque e parti para a barra da minha blusa – que retirei por cima do corpo, jogando ao lado de sua cama. Estava com um sutiã meio velho cuja as alças estavam quase frouxas, mas sua admiração fez com que eu não pudesse pensar neles nem por um segundo.
Valentina olhou para mim e com uma contemplação sincera, inclinou meu corpo até quase estar deitada na cama atrás de mim e começou a beijar minha barriga de forma suave. Seu beijo lento, quase como de um anjo, abalou tudo o que poderia no meu interior, deixando-me trêmula e clamando para que aquilo chegasse aos meus mamilos que estavam formigando.
Não entendia a razão de que estavam se comportando dessa forma, mas o fato era que pareciam precisar dos lábios da minha namorada ali. Assim, apenas fechei os olhos e aguardei, até que finalmente a minha esperta companheira atingisse o centro de todo meu desespero.
— Tem certeza? — Questionou, voltando rapidamente à minha boca para dar-me um selinho atencioso.
— Tenho sim — Falei, levantando um pouco o tronco para que ela abrisse o sutiã e tirasse ele de mim.
Sentir aqueles lábios quentes que apenas experimentei em minha boca foi como sentir o fogo contra minha pele sem me queimar. Era cálido, arrepiava e me fazia observar com uma maravilha que me obrigava a ficar de olhos abertos mesmo querendo fechar. Era impossível fechar. Tudo o que eu queria era que tudo estivesse irrevogavelmente aberto para que Valentina entrasse com seus lábios rebeldes.
Tanto que me vi pedindo por mais, quando os gemidos baixos atacaram a base da minha garganta, me chantageando para sair por ela e se libertar. Mas eu não podia, não ainda, não quando uma parte do meu poder quase me retraía. Era resquício daquela menina casta, assustada, que estava ali dividindo espaço com a que tinha um desejo um pungente que precisava ser morto ou atenuado em cada sugada lenta daquela garota.
Valentina tinha os lábios fechados em volta do meu mamilo e chupava como se eu fosse uma balinha diminuto. A pele sensível corria fácil em sua língua e até chocaria o quão bem ela fazia, se não fosse o fato dela ser mais experiente que eu. Aquele momento era conhecido para ela, mas mesmo assim ela me tornava única.
Seu cuidado era único, seu ritmo era único e até aquela raspada acompanhada de uma mordida sem força era única. Nada deixaria alguém tão extasiado como eu estava quando sua boca abandonou meus seios, deixando-os com as pontas entumecidas.
— Gostosa — Ela falou, me beijando outra vez e dessa vez foi diferente. Nossos beijos de meninas em nada chegavam perto daquela cena protagonizada por duas mulheres na beira do precipício que a vontade costuma ser. Queríamos nós jogar e não encontrávamos objeções, logo, desceríamos sem armar paraquedas até que caíssemos no chão ou flutuássemos nas nuvens que eram a pele de Valentina tocando a minha, que estava nua da cintura para cima. Solitariamente despida.
— Quero sua pele na minha — Eu declarei. Não fui com rodeios. E sendo recompensada por um dos meus inéditos atos de coragem, acabei recebendo o privilégio de tirar sua peça quando ela alçou os braços, me convidando com seu olhar.
Tirei a sua blusa e encontrei-a sem nada, avaliando aquele corpo bonito sendo apresentado para mim de uma forma que não tinha antes. Tinha visto Valentina de biquíni e até com sutiã uma vez, mas nada era como vê-la daquela forma. Eu poderia contar cada sinal que formava aquela constelação que comprou um espacinho em seu pescoço branco, tanto que mesmo despreparada, foi por ali que comecei.
Uma risada tímida escapou de mim depois de um cheiro mais demorado em sua pele. Me senti bem em esconder meu rosto conforme ganhava suas unhas descendo e subindo em minhas costas, me incentivando a descobri-la conforme ela se deitava comodamente para que eu tivesse certa autonomia na situação.
— Eu amo você — Repetiu, beijando minha testa e com sua mão ao lado do meu rosto, descendo até descansar em minha nuca. O que houve depois foi uma história linda contada pela minha boca que percorreu sua pele sem qualquer noção de rota. Eu não conhecia métodos, não conhecia formas, mas eu conhecia aquela mulher e ela felizmente queria que eu a reconhecesse.
E ela não tinha medo, nem uma partícula dele, porque ela deixava sua voz correr num tom agradável e seguro, no volume correto para que eu fosse envolvida e dançasse ao ritmo de seu som melífluo.
Repeti os movimentos que senti em minha pele. Lambi, chupei, suguei e até me atrevi a mordiscar, quase machucando a minha namorada que até pediu calma em algum momento – mas terminei aquele instante com o rosto queimando de tesão e o coração martelando contra minha caixa torácica em expectativa com o que viria depois que ela me deitou sem vir por cima de mim. Quando ficamos as duas lado a lado.
— E se acabasse aqui seria inesquecível — Falou me abraçando, trazendo o lençol confortavelmente para cima de nós depois de ter desligado a luz da mesa ao lado da cama. Ela previa meus desconfortos e me blindava deles.
— Você quer que termine? — Perguntei, com receio de ter feito algo errado. Ela negou automaticamente com a cabeça.
— Nunca quis tanto que continuasse — Disse me beijando e deixando que o controle não estivesse em nenhuma mão, na verdade, naquele momento, éramos pouco consciente sobre em qual mão ele acabava por estar. Não interessava. A conexão da pele era tão forte que superava qualquer percepção do mundo sensível, do real e das coisas.
Queríamos nos fundir, queríamos ser só uma, queríamos naquele agora. Queríamos que fosse chama, queríamos que ardesse dentro de nós e que nunca mais apagasse, ou até acabasse. Tanto era tão transcendental e mútuo que quando acelerei em buscar sua calcinha, a própria Valentina já a tinha fora, totalmente pronta para me ensinar como dar prazer para ela.
Acariciei por entre as suas pernas, sentindo a expectativa palpável conforme avançava pelas coxas até chegar próxima aos pelos que recobriam a sua intimidade que me recepcionava como uma luva se adequando a uma mão em dias mais frios que aquele de hoje.
— Assim… — Apontou, cobrindo minha mão com a sua enquanto encaixou sua perna em minha cintura.
Estava abraçada a ela com braços e a perna direita, sua intimidade sem reservas ao meu (nosso) toque. Ela me instruiu primeiro a acariciar a protuberância conhecida no interior daquela parte íntima, que causou até então seu gemido mais evidente
— Toque devagar e em círculos. Mantendo um certo ritmo — Orientou, deixando por minha conta e se concentrando em me beijar, naquele momento que todas as nuvens macias contornavam a minha mão. Era seu lugar mais secreto e mais molhado, meus dedos sentiam-se quase sob o medo de que sua pele se desfizesse em mim, mas permanecia masturbando como ela pediu.
Ora havia uma ansiedade que me fazia perder a sincronia necessária e era quase incômodo, mas então ela me dava selinhos e solicitava uma calma que ela mesmo me passava, até que meu ímpeto de vê-la gozar se transformasse na vontade necessária de muito mais aproveitar o caminho do que a chegada.
— Te amo — Falei, colando nossas testas e sentindo o suor da sua me esquentar. Beijos no escuro, o tesão juvenil fluindo por nós e se dissipando como gemidos e ações de vem e vai que Valentina também fazia em busca dos meus dedos. Cada vez mais rápido, cada vez parecendo querer mais e mais de mim.
Seu peito arfava em meus braços, seus beijos ficavam mais exigentes e meu requerimento de que ela viesse em meus braços cada vez mais indisfarçável. Lambi seu suor, mordi seu queixo e num ato quase divino, beijei atrás de sua orelha, me escondendo nela.
— Que seja infinito enquanto dure… — Eu disse, investindo mais algumas vezes contra ela até que seu corpo fosse atingido por uma sensação de relaxamento bem evidente em sua pele inteira. Seu corpo até pendeu para o lado.
— Porra… — Xingou e merecidamente levou uns tapas. Ela sabia que eu não gostava quando ela dizia coisas tão feias. Me dava alguns calores impróprios às vezes? Sim, mas não era adequado.
— Fiz direitinho? — Perguntei, recebendo beijos que começaram ardentes e terminaram carinhosos.
— Como nunca fizeram comigo. Acho que vou querer toda noite — Falou, tirando um cabelo imaginário do meu rosto e em segundos sua mão estava também buscando o meu centro.
Não me opus à sua presença. Como prometido, aliás, clamei porque me tocasse somente com meus suspiros desregulados sentindo surpresa e deleite toda vez que seus dedos avançavam e minha curiosidade, também.
Estava tomada e com isso rendida aquela mulher inteligente, sensual e grotescamente segura de si. Queria morar com ela, nela e que seus dedos nunca me abandonassem. Não quando o primeiro roce evocou todas as coisas deliciosas e me entregou de bandeja. Era como correr de bicicleta e nunca atingir o destino. Era percorrer e sentir cada pequeno prazer. O toque semelhante ao vento, a velocidade, o retroceder, cada marca que o dia poderia deixar naquela tarde de temperatura amena.
Era como se reencontrar com cada momento bom da vida. Satisfação, conexão, tudo entregue conforme ela tateava olhando-me como se eu fosse sua sorte, seu sol. Assim, sentindo como se fosse uma estrela, fui me deixando levar, me acostumando ao toque e temendo um medo bobo de que ela tentasse mais do que eu estava preparada.
Existia vontade de tê-la dentro de mim, mas esperava que ela não tentasse ainda, pois havia em mim certo temor de tal ato. Valentina, no entanto, lia-me tão fácil que nunca ousou ir mais do que o movimento que percebeu que agradou.
Aquele para cima e para baixo gostoso enquanto ela chupava do meu pescoço até minha orelha, vez por outra soltando uma palavra lasciva.
— Você vai dar para mim sempre, não é? — Me indagava nada amável, e eu ainda correspondia toda mole até que no fim eu estivesse ainda mais indefesa em sua presença.
Gozei nos dedos de Valentina sentindo seu azul ainda mais azul, olhando cada espasmo do meu corpo como se pudesse absorver todas as minhas versões num único segundo: a cuja inocência fora abandonada, a mulher nascida, a que descobriu o desejo, mas principalmente a que a amava ainda mais agora. No hoje.
Terminamos aquela noite abraçadas, jurando promessas que não sabíamos se acaso tornariam-se efetivas depois, mas que tentaríamos fazer tornarem-se reais, pois enquanto houvesse sol, nuvens e estrelas tudo poderia tornar-se possível…
Conto erótico by Letícia Araújo (@Leteratura__)