Saudade
As pessoas não gostam de falar de saudade. Seja porque é doloroso, seja porque a lembrança corrói nossa alma ou até porque nos causa a incômoda sensação de não controlar o passado. A presença da saudade nos obriga a olhar para o futuro.
Hoje, no entanto, não consegui evitar. Corri na outra direção, mas a saudade inescapavelmente me pegou bem na curva entre a sala e o quarto. Era o seu maldito cheiro, cravo e canela, solto pelo ar sem que eu pudesse expulsá-lo.
E aí eu fui fraca, fraca como não queria. Lembrei de você na minha cama. Do seu sorriso de moleque e corpo de homem, dos seus braços longos envolvendo meu corpo como se eu fosse somente feita de plumas. Parecia que eu não pesava nada, mas acho que era porque me sentia leve demais nos seus braços.
Recordei o jeito que me olhava. Aqueles olhos escuros, cor de jabuticaba, que me olhavam de corpo e de alma e com só duas palavras tinham-me nua. Eu gostava da sua pele na minha…
Da maneira como só você me descia dos seus braços e me punha na cama, beijando meu pescoço e sussurrando o quão gostosa eu era e como não hesitaria em me dar o maior prazer que eu já experimentei. Você se superava e cumpria o que falava e, talvez, essa seja uma parte substancial da saudade.
Você me desnudava e era como se seus dedos me revestissem à medida que me tocavam. Eu era coberta, não havia frio, pois sua boca quente acompanhava o caminho dos indicadores que provocavam meus mamilos.
Nunca vi uma fome como a sua. A forma voraz como sua boca envolvia meu peito, pondo-o quase inteiro entre seus lábios, suas oscilações, as sugadas ininterruptas até que eu não contivesse meus gemidos agudos.
Você não se cansava. Era como se me desse tudo e, ao mesmo tempo, não me cobrava nada, sequer pressa para que gozasse. Desfrutava o momento. Me abria as pernas, punha sobre os ombros e, segurando as ancas, me imobilizava.
Eu não queria ir a qualquer lugar do mundo, mas você ainda sim queria que eu soubesse que era sua – ao menos por aquele instante em que estaria em mim, primeiro, com sua língua.
Nunca tive uma tão habilidosa. Você coordenava suas lambidas, nunca era desajeitado, e me tinha louca em minutos. Quem sabe era seu jeito único de subir e descer antes de me penetrar com o dorso da língua ou ainda sugar meu clitóris.
Lembrei de minhas mãos em sua nuca, da sua barba raspando no interior da minha coxa e dos seus próprios grunhidos de satisfação conforme eu ficava exponencialmente mais molhada. Você era um dos poucos homens movidos ao prazer intenso de me ver ter prazer.
Quando você me penetrava eu já estava pronta. Molhada da sua língua e da lubrificação natural que advinha do seu jeito único de me excitar. Seu pau deslizava tão fácil e, com aquilo, parecíamos duas peças que tinham que se encaixar.
Minhas pernas em seus quadris, seu corpo em cima do meu, seus músculos sustentando-o e seu pênis entrando em mim. Isso é sentir saudade, é saber que ainda posso ao fechar os olhos, descrever a sensação de ser preenchida por você e saber o formato das ondas sonoras que conduziam o meu gemido aos nossos ouvidos.
Posso quase tocá-los dentro do quarto, da mesma forma indescritível que minhas unhas pareciam conhecer a pele em que se cravavam. Suas costas ainda devem recordar dos arranhões que você reclamava, mesmo que seja pelo alívio de não mais tê-los.
Lembrei de como você se movia quase como numa dança. Cauteloso, austero, mas também apaixonado e quente como uma noite de verão. Você era como um tango argentino deslizando por minha pele, como se eu fosse seu palco, dando seu espetáculo e me deixando totalmente exposta conforme tentava receber seus passos.
Seu ritmo era intenso, visceral, e era a única parte do dia em que você não ria. Levava a sério o meu desassossego, minha ansiedade, tudo em função de que meu corpo atordoado tivesse descanso por entre seu eixo.
Ninguém me comia como você fazia. O entra e sai, a precisão, o cuidado e a sensação de que estava me atirando de um precipício, mas ainda sim estaria lá embaixo. Você me deixava sem chão e ainda deixa, quando lembro que gozar com você era como atingir o alto e flutuar por lá.
Você era um voo baixo e talvez por isso era tão fácil cair em você e depois de você. Acho que ainda não me levantei de todo. É assim que passo da sala até o quarto, inspirando a saudade e expirando a realidade: você se foi há um tempo e não deve voltar.
Ao entrar no quarto ligo a lâmpada e tomo um banho, mas uma luz insistente no meu celular não deixa que o cansaço do dia faça seu serviço e me permita dormir. Tomo-o prontamente para desligar o aparelho, mas aquela mensagem que dispara o coração estava lá me esperando.
“Não consigo parar de pensar em você. Eu sei que faz pouco tempo que a gente nem namora, mas se de algo serviu esses seis meses foi para entender que não quero ficar mais longe. Vou atrás de você. A saudade não me deixa estar mais nem um segundo longe”.
Meu coração parecia uma escola de samba. Palpitava incessantemente e quase tão alto que se confundia com o barulho da minha própria porta, ou era mesmo a minha porta? Confusa entre a realidade e a fantasia que me consumiam de pouco a pouco, eu me aproximei do tablado e girei a maçaneta.
Do outro lado, um argentino sensual, rosto maroto e coração exposto, uma mala na mão e tanto para falar que parecia nem poder. E não pode, não quando um beijo traduzia tudo. Sua língua adentrou a minha como seu corpo o fez com a minha casa.
Sua camisa fez companhia para o abajur, seus sapatos fizeram um perfeito casal com meus saltos e o desejo quase nos impediu de fechar a porta. Mas o fizemos. Era a única coisa realmente cerrada naquela noite. Meu peito estava aberto, minha vida estava aberta, eu sentia tanto a sua falta que quase tinha medo de que fosse só uma fantasia.
Arranhei suas costas enquanto ele me trouxe aos seus braços, encaixando nossas anatomias como nossas bocas urgentes. Senti sua carne em minhas unhas e sua ereção se esfregando em mim, o suficiente para ser real. Desci de seus braços antes que viesse até dentro, queria antes experimentá-lo em minha boca.
O fiz sentar, me coloquei de joelhos e sem delongas o levei em minha língua. Senti seu formato, a marca vívida de sua presença pulsando em minha boca e me preenchendo. Contornei suas veias, até quase engasgar e, para respirar de novo, me concentrava em sua glande. O prazer de imaginá-lo e tê-lo só se descrevia por meio de seus gemidos roucos.
Ele segurou meu cabelo, estocou em meus lábios e quase se veio em mim, mas parando antes que fosse o fim de nosso reencontro. Seu sorriso moleque surgiu ali. Sua paciência em acariciar minha face e me levantar pela mão como se não fosse me foder com força.
Minha saudade era seu jeito carinhoso e sua pegada de quem sabia o que queria. Em cima da cama ele me chamou para o seu rosto, queria que eu cavalgasse em sua língua e eu não neguei nem uma gota.
Sonhei com sua língua durante as duas semanas que ele se foi, desfrutando tudo no momento em que ela voltou a entrar em mim. Ele me penetrava habilmente e seus dedos tocavam meu clitóris ao mesmo tempo, daquele jeito inesquecível e safado que só ele fazia.
Rebolei sobre sua boca, o fiz engolir cada esboço de prazer que eu rabiscava em seus lábios, como se a tela pudesse se atirar sobre um lápis e não o contrário. Eu seguia, eu guiava, eu gemia. Não queria fazer diferente. Queria fazer os sons que não fiz, queria aproveitar como uma última vez.
Esse foi meu sentimento ao descer sobre seu pau, levando meus seios aos seus lábios. Ele mordiscava, lambia, levava entre os lábios e sugava com a mesma voracidade de outrora. Era quase impaciente se não fosse antes visceral. Ele não poupava sentimentos, vontades e esforços.
Seu dedo buscou meu clitóris outra vez, era o único encontro possível depois de sua intimidade com a minha. Daquele encaixe, daquela energia erótica e caótica. Cabelos bagunçados, respirações ofegantes e uma vontade de não acabar.
De ficar, de descontar a saudade, de que o momento fosse para sempre e não só 30 minutos. Que fosse mais, que fosse muito, que ele pudesse ir até onde eu fosse. E fomos juntos.
Lembro que minha pele suava e que aquela gotícula caiu entre nossos corpos unidos, fazendo caminho do meu peito até nossas intimidades, tão lenta quanto o orgasmo que se desempenhou sem que custasse nada. Ele me deixou leve e dessa vez era um vôo alto.
– Quanto tempo você fica? – Questionei depois que caímos na cama. Em seu peito aquele cheiro de canela exalando junto com suor. Eu poderia me acostumar com aquilo.
– Não pretendo ir a nenhum lugar. Devemos estar onde o coração nos manda e hoje quem me governa é a saudade: Não posso deixar de ouví-la. Tudo me diz para ficar aqui com você.
E essa também é uma face da saudade. O lado bom e gostoso de quando ela dá lugar ao reencontro, a vontade de estar junto de novo, ao querer bem, mesmo que não se saiba por quanto tempo…
Conto erótico by Letícia Araújo (@Leteratura__)